Ontem, enquanto dormias com o rosto quente em minhas costas, pensei bastante e conclui que sou um bosta.
Durante a madrugada, enquanto roncavas feito uma sapa, ouvi a tosse da velha do apartamento de cima. Pude, por um breve instante, discernir claramente o som do catarro descolando do pulmão da senhora, entre-cortado por sonoras escarradas que faziam com que as paredes tremessem, ecoando pelo prédio todo.
A vida aqui só é ruim, quando não chove no chão, mas se chover da de tudo. Fartura tem de porção! Tomara que chova logo – tomara! Oh, meu Deus, tomara! – bem, só deixo meu cariri no ultimo pau-de-arara.¹
Existem vícios piores do que a melindrosa solidão, contudo há quem diga que a solidão é um dos piores vícios. Querer estar só não se compara ao debater-se do dependente químico, verdade, mas como saber qual deles esta em pior condição?
- O solitário, só.
- O dependente, pó.
O aço dos meus olhos e o fel das minhas palavras, cantou o homem, certa vez, acalmaram meu silêncio (veja), mas deixaram suas marcas.
- Amigo, hoje só acredito no pulsar das minhas veias…
- Isso não é nada.
- Sequer acredito mais no fogo (ingênuo) da paixão.
- Ora… – São tantas ilusões, perdidas, na lembrança…²
A madrugada não trouxe nada de novo, bela moça.
A velha tossiu, a sapa coaxou e eu tirei os olhos do teto. Vi então que a lua me fitava. Tímido, virei-me na tua direção, adormecendo.
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¹ FAGNER, Raimundo – Pau-de-arara ²
FAGNER, Raimundo – Noturno